Há três décadas, quando surgiram os primeiros casos de Aids no mundo, os tratamentos para combater a doença ainda não existiam e ser contaminado era uma sentença de morte. Desde então, pesquisadores de várias nacionalidades têm unido esforços, tanto na busca de tratamento mais eficazes para os pacientes que contraíram o HIV, quanto para produzir uma vacina. Depois de diversos estudos confirmarem que algumas formas de tratamento são capazes de diminuir em 96% as chances de se transmitir o vírus, uma pesquisa publicada na edição de hoje do periódico norte-americano Annals of Internal Medicine apresenta mais um avanço – mostra que, com o uso de antirretrovirais já disponíveis no mercado, a expectativa de vida dos pacientes – que antes dos anos 2000 era de 10 anos, pode ser a mesma de pessoas saudáveis, se esse tratamento não sofrer interrupção.

A descoberta reforça ainda mais a necessidade de se ampliar o acesso aos remédios a populações carentes de diversas partes do mundo. Agora, definitivamente, a Aids deixa de ser sinônimo de atestado de óbito. O estudo divulgado hoje é o primeiro em grande escala a medir o impacto na expectativa de vida dos pacientes soropositivos que utilizam medicamentos antirretrovirais. Feito com cerca de 22.315 voluntários, com idade acima de 14 anos, em Uganda, na África, os pesquisadores consideraram a expectativa de vida em 35 anos de idade, quando na região é de 62 anos.

Os homens que utilizavam as drogas para o controle da doença tiveram uma expectativa de vida de 57 anos, e as mulheres de 67. “Essa diferença drástica entre homens e mulheres deve -se ao fato de que, tradicionalmente, os homens aderem mais tarde ao tratamento. E também por receberem menos cuidados ao longo da vida”, disse em entrevista ao Correio o médico canadense Edward Mills, da Universidade da Columbia Britânica, principal autor do estudo.

América Latina

Para ele, a constatação de que o tratamento permite o soropositivo viver aproximadamente o mesmo tempo de uma pessoa saudável, também pode ser aplicada à América Latina e a outros países da África, onde a epidemia ainda é um problema grave. “Utilizamos métodos de investigação propostos pela Organização Mundial de Saúde. Além disso, os medicamentos usados em Uganda, são os mesmos adotados em outras regiões do continente e do mundo”, explica o pesquisador. “Por isso, acreditamos que os resultados são os mesmos, independentemente da região ter uma expectativa de vida maior. Na verdade, acreditamos que em regiões onde o acesso aos medicamentos é maior, essa diferença na expectativa de vida de soropositivos e saudáveis deva ser ainda melhor”, acrescenta Mills.

A boa notícia veio enquanto cientistas e entidades se reúnem na Itália para debater os rumos das pesquisas em combate ao HIV, na 6ª Conferência da Sociedade Internacional de Aids sobre Patogenia, Tratamento e Prevenção, que segue até amanhã, em Roma. O tratamento da doença é o centro das discussões do evento, depois que pesquisas mostraram que ao utilizar medicamentos de forma correta o paciente tem 96% menos chance de transmitir a Aids.

A novidade já havia sido adiantada pelo Correio em 30 de maio, em entrevista com Willy Rozenbaum, médico francês que ajudou a descobrir a Aids. “Uma pessoa que sabe que foi contaminada pode se beneficiar do tratamento, e esse tratamento permite, inclusive, não transmitir a doença em 96% dos casos”, adiantou o pesquisador na época.

No entanto, para que o coquetel de antirretrovirais possa se efetivar como a principal arma tanto na melhoria da qualidade de vida dos pacientes como aliado para impedir o surgimento de novos casos, é preciso ampliar a oferta de testes. O Ministério da Saúde estima que apenas no Brasil 250 mil pessoas estão contaminadas pelo HIV e não sabem disso. No planeta, esse número chega a 34 milhões de pessoas – metade dos soropositivos do mundo – e a grande maioria deles habita regiões pobres, como parte da América Latina e África, onde a oferta de exames ainda não é eficiente.

Esperança

Segundo o representante no Brasil do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), Pedro Chequer, esta é a segunda revolução de tratamento na epidemia da doença, após 30 anos de combate. “A primeira revolução ocorreu em 1996, quando surgiram as primeiras drogas que ampliaram a expectativa de vida dos pacientes”, explica. “Agora, temos uma nova revolução, já que, somando o tratamento com a proteção do preservativo poderemos, pela primeira vez, acabar com as novas contaminações”, completa Chequer.

Para que isso ocorra, no entanto, ainda há um longo caminho a ser seguido. “Nas regiões da África, onde o estudo mostrou que a expectativa de vida pode ser prolongada, ou mesmo em outros lugares do planeta, o que inclui, de certa forma, o Brasil, ter-se consciência de que se está infectado ainda demora muito”, observa o especialista. “O país precisa empreender uma verdadeira cruzada, permanente, para que todas as pessoas contaminadas saibam disso e possam começar a se tratar e a usufruir desses tratamentos. Além disso, será preciso repensar quando iniciar o uso de medicamentos. Isso deve acontecer de maneira mais precoce”, alerta Pedro Chequer.

Metodologia aplicada

A expectativa de vida aos 35 anos foi escolhida porque, no decorrer dos anos, essa taxa varia muito. Segundo os especialistas, ao nascer, a esperança de vida da pessoa é mais baixa, pois na região são comuns as mortes por problemas de desnutrição e de desidratação. Na adolescência, a expectativa de vida cresce pois esses problemas não puxam mais o índice para baixo. Por fim, na vida adulta, quando a chance de morrer por motivos de violência não impacta na taxa, as doenças passam a ser o fator preponderante na longevidade. E isso possibilita medir com mais eficiência o impacto do tratamento da Aids.

Fonte: Correio Braziliense

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