A Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu um parecer crítico em relação à Resolução nº 487/23 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que institui a Política Antimanicomial no âmbito do Poder Judiciário. A Resolução, que entrou em vigor em maio deste ano, visa estabelecer diretrizes para a implementação da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei nº 10.216/2001 no processo penal e na execução de medidas de segurança.
O parecer do CFM está alinhado às preocupações já manifestadas por diversos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), que, por meio de notas públicas e reuniões entre suas Câmaras Técnicas de Psiquiatria, vêm debatendo as implicações éticas e clínicas da norma. Segundo os CRMs, a Resolução CNJ nº 487/23 desampara o portador de doença mental que cometeu infração penal porque os estabelecimentos médicos comuns não dispõem de infraestrutura de segurança para garantir a incolumidade dessa população.
Entre os pontos críticos do parecer estão os possíveis conflitos éticos decorrentes do Art. 3º, VII e do Art. 11 da Resolução. O Art. 3º, VII, por exemplo, prevê a proibição de métodos de contenção física, mecânica ou farmacológica de maneira desproporcional, além da restrição ao uso de eletroconvulsoterapia fora de protocolos específicos. A Câmara Técnica do CFM argumenta que tais limitações podem comprometer a autonomia médica, uma vez que a escolha dos métodos terapêuticos cabe ao médico, conforme previsto no Código de Ética Médica (CEM), Art. 32.
O coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria do CFM, Salomão Rodrigues Filho, destacou a importância de um debate mais amplo sobre a Resolução: “Nossa análise indica que a norma impõe restrições que podem não corresponder às necessidades reais dos pacientes psiquiátricos em situação de medida de segurança, comprometendo tanto a ética médica quanto a eficácia do tratamento”.
Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, 1º vice-presidente do CFM e psiquiatra, também se posicionou sobre o tema: “É essencial que as diretrizes que orientam o tratamento de pacientes com transtornos mentais sejam construídas em parceria com as entidades médicas, assegurando uma abordagem médica. O médico precisa manter a autonomia para decidir os melhores métodos terapêuticos de acordo com as condições clínicas de cada paciente”.
A Procuradoria Jurídica do CFM (COJUR/CFM) também está atuando em ações judiciais para impugnar a constitucionalidade da Resolução CNJ nº 487/23. A norma é objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 7389, 7454, 7566 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1076. O CFM participa dessas ações como amicus curiae, tendo realizado sustentação oral na sessão de julgamento do dia 10 de outubro de 2024. A sessão foi suspensa após a leitura do relatório e as sustentações orais, ficando pendente a designação de uma nova data para seguimento do julgamento.
O CFM reforça que a Resolução CNJ nº 487/23 carece de uma revisão que contemple as especificidades do Ato Médico, a fim de evitar conflitos éticos e garantir o melhor cuidado possível aos pacientes com transtornos mentais no sistema penal.