Renato Lima Na sala 10 da enfermaria da ortopedia da Santa Casa, Heleno Teixeira de Lima completa amanhã – dentro do hospital – 100 dias que recebeu alta. Ele diz ter 48 anos, mas aparenta no mínimo dez a mais. De acordo com a assistente social do hospital, Alvina Oliveira Galvão, Heleno deu entrada no dia 8 de maio, como vítima de atropelamento e agora é mais um “deixado para trás”, pela família. Ele foi atendido e entrou teve alta no dia 10 de junho. Sem documentos e parentes, não tem para onde ir. Alguns são abandonados por parentes e responsáveis, outros simplesmente não tem para onde ir, nem condições de se recuperar, continuando o tratamento sozinhos, e não podem contar com a ajuda de ninguém. Além de ocuparem os leitos, ainda corem risco de contraírem outras doenças e infecções, pelo excesso da permanência no hospital. O quarto que Heleno alugava na cidade, por exemplo, com o dinheiro dos bicos da capinagem, já foi passado para outro, quando ele deixou de pagar, conta. O processo para garantir o retorno desses pacientes à família é complexo. No dia 12 de junho, técnicos da SAS (Secretaria de Assistência Social) visitaram Heleno na tentativa de encontrar algum parente e documentos. Ele relata que nasceu em uma reserva indígena em Dourados, mas foi adotado por uma família de Campo Grande, que há muito tempo perdeu contato. Após a cirurgia, Heleno apresentou dificuldades de locomoção e hoje, graças a uma cadeira de rodas – fruto de doação, ele passeia pelos corredores cumprimentando os amigos, enfermeiros e funcionários do hospital. “Ninguém vem me visitar. Eu quero sair daqui. Aos poucos eu vou voltar a andar e quero trabalhar”, lamenta, em cima de uma maca, olhando o céu cinza pela janela. No quarto com três leitos, Heleno vê pacientes entrarem e saírem, só não sabe quando vai chegar a vez dele. “Ele não recebe nenhum tipo de benefício e não tem como pagar alguém para cuidá-lo nem idade para ir para um asilo. Como não tem parentes para vir buscá-lo, ele está sob o poder do Estado que deveria encaminhá-lo para alguma casa de apoio, mas também não existe esse lugar específico”, comenta Alvina. Vivência – Há 11 anos trabalhando na Santa Casa, Alvina diz que já viu muitos casos de “deixados para trás” e que mesmo encaminhando para a promotoria, tem recebido mais ajuda de ONG´s (Organizações Não Governamentais). Mesmo assim, a burocracia do poder público emperra a boa vontade do terceiro setor, comenta. Essas entidades precisam de autorização da Justiça apra retirar o pacinete do hospital, explica. Lotado – O problema da ocupação dos leitos afeta também quem está a espera de cirurgia. Mesmo quando há condições do paciente ir para o centro cirúrgico, o médico não pode fazer a operação se não há leito para que o paciente seja transferido depois. Mais complicado que o caso de Heleno é o de Edinalva Meiado Arteiro, de 39 anos. Ela recebeu alta ontem, mas também vai continuar no hospital e ninguém sabe até quando. Vítima de hidrocefalia, ela foi trazida pelo Samu para trocar uma válvula, mas teve complicações durante a cirurgia e acabou abandonada. Hoje, com traqueotomia, precisa de respirador e recebe alimentação por sonda. Ela não tem condições de ficar sozinha, precisa trocar os curativos e fraldas, cuidados que não precisam ser feitos dentro do hospital, mas dependem de ajuda de terceiros. O serviço de assistência social da Santa Casa tentou procurar algum parente de Edinalva e descobriu uma história dramática. A mãe sumiu sem deixar contato, o pai é alcoólatra, a filha de 18 anos está em um abrigo para dependentes químicos, o filho de 11 anos vive em outro abrigo e o caçula de 8 anos mora com uma irmã de Edinalva, em São Paulo. Edinalva custa para a Santa Casa, R$ 150 por dia, mesmo depois da alta. Crianças – Alvina diz que o abandono não ocorre somente com adultos. Na pediatria e maternidade, muitas crianças são deixadas pelos próprios pais. “Mas esses casos são mais fáceis de resolver porque tem quem quer”, comenta Alvina. Ela explica que para os menores, o Estado oferece estrutura como casas abrigos e a Justiça é rápida nas decisões. Já para os adultos, por enquanto, não tem quem quer. Resultado – A disputa pelos 650 leitos da Santa Casa é feita não só por pacientes de Campo Grande, mas também de todo o Estado e até de outros países vizinhos, como Paraguai e Bolívia. Por dia cerca de 20 pessoas aguardam na fila de espera, segundo a assessoria de imprensa do hospital. São pacientes em situação de internação que aguardam pela liberação de um leito, ou até a uma maca nos corredores. A demanda do atendimento do maior hospital de Mato Grosso do Sul já é uma realidade imune, mas, como se fosse possível, a situação piora ainda mais quando pacientes que já receberam alta continuam internados no hospital. (fonte: jornal Campo Grande News – 19.09.2008)

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