Com o surgimento do Covid-19 e todas as consequências advindas, vemos a necessidade de uma reformulação do SUS não somente em razão do déficit que o pais vai carregar como também por uma necessidade que o próprio sistema já detectara .
O financiamento do Sistema Único de Saúde(SUS) há vários anos é insuficiente, considerando a abrangência do programa, as aspirações que alimentaram sua criação e a realidade econômica do pais. Implantado num momento em que o Brasil aspirava democracia, liberdade, sua evolução vem mostrando que as necessidades de recursos financeiros e de melhor gestão, são essenciais para um melhor desempenho e até mesmo para sua sobrevida.
Antes do Covid 19 o sistema público brasileiro(SUS) era utilizado por 75% da população brasileira, mais de 160 milhões de pessoas. Recente divulgação do tesouro nacional evidencia que até 2027 haverá um aumento nos custos da saúde de 10,6 bilhões, sobretudo por conta do envelhecimento da população. Em 2019, de acordo com a corretora de seguros britânica Aon, a estimativa de alta nos custos do setor era de 17,2%, frente à inflação oficial de 4,3%. Somente a judicialização deve consumir R$14 bilhões. O déficit da previdência em todas esferas de poder é de 320 bilhões de reais.
Dados de maio de 2020 mostram que a proporção de famílias com dívidas em cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro era de 66,5% e, em junho de 2019, 64,0%, e a queda prevista do Produto Interno Bruto(PIB) está em torno de 6%. A pandemia pelo Corona_19 veio agravar e colocar uma necessidade já sentida de trazer uma profunda reflexão no sistema com mudanças que agora se somam as já existentes e surgem como necessidades para ontem. Antes de falar no financiamento do setor é necessário rever todas as instancias, a começar pela necessidade de planejar as mudança que se fazem necessárias.
Só disponibilizar mais recursos se não vierem com as mudanças necessárias, pouco valerá. A projetada queda na atividade econômica, a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, a migração de parcela da população da medicina suplementar e outros fatores farão parte desta nova fase que o SUS já enfrenta, com perspectivas de piora. Não vejo possibilidades, a curto prazo, de mais recursos para a saúde. Demandaria medidas que em princípio, num sociedade democrática, levaria a grandes discussões.
Dentro elas, aquela sobre a gratuidade, definitivamente incorporada, independentemente do nível socioeconômico do usuário, apontada por muitos como uma fonte que poderia auxiliar na falta de recursos. Outra opção, por sinal extremamente polemica, se refere a mudança na concepção do Estado, que ficaria mais focado num menor número de responsabilidades e por conseguinte com mais recursos para saúde/educação. Seguramente não seriam soluções implantáveis a curto prazo, e até mesmo há de se indagar se seriam estas as opções de mudança.
A sociedade pós Covid_19 e as manifestações contra desigualdades e preconceito racial, apresentam indícios que as mudanças podem ser muito mais amplas, e que a sociedade pode querer mais. Pelas circunstancias, as mudanças devem recair primeiramente na gestão do SUS. É esperado que a queda na atividade econômica reflita em piora das condições de assistência a população e o setor saúde necessita se reinventar para fazer frente a esta situação. A ênfase na prevenção deve sair do discurso- vejo como necessária uma mudança na estrutura do atual ministério da saúde, com duas estruturas, uma voltada para a prevenção e outra para a assistência, que devem trabalhar articuladas, mas com gestores distintos. A prevenção deve se associar com uma parte da previdência, do meio ambiente de forma que medidas voltadas a população como um todo sejam efetivadas.
Assim, as imunizações e seu controle, educação para a saúde, uso de preservativos, controle e regras para universalização dos serviços de agua e esgoto, coleta do lixo, e outras, necessitam se associar. Além de trabalhar os fatores de risco para a doenças, dentre elas, ociosidade, prevenção do câncer, obesidade, diabetes, hipertensão, resolvendo aquilo que não se mostrar muito complexo e se articulando com o setor assistência à saúde, reduzindo a dificuldade ao acesso e assim evitando o avanço das doenças. Devemos ter uma atuação mais efetiva das Vigilâncias, assim como do uso de tecnologia como ferramenta de apoio e desenvolvimento a toda estrutura da saúde. Essa nova gestão terá que ter forte ligação com a previdência social, para ambas terem um controle da questão dos afastamentos do trabalho por razões de saúde, da mesma forma que a assistência à saúde.
Igualmente a prevenção e a assistência devem estar ligadas a reabilitação, para funcionarem de forma a serem estruturas que se retroalimentem. Caberia a assistência o diagnóstico e tratamento das doenças já estabelecidas , da forma mais resolutiva, obedecendo protocolos de tratamento.
O setor é o mais difícil de gerir, especialmente pela característica peculiar das múltiplas áreas profissionais envolvidas, pela ineficiência das unidades de saúde, dos ambulatórios especializados e dos hospitais, especialmente os públicos, onde as coisas vão da falta de recursos, falta de gestão e pelo descompromisso. Há alguns caminhos que são necessários rever, dentre eles- a carreira dos profissionais de saúde, é inviável pensar que os profissionais não tenham necessidade de ter uma atividade com começo, meio e fim. Da mesma forma a questão salarial, não é aceitável pensar a saúde sem que seus atores não estejam engajados e sabendo suas necessidades e possibilidades no correr da vida.
Não é crível aceitar que a questão salarial continue como está, sob a justificativa da crise econômica e social. Em contrapartida é necessário que haja o cumprimento das obrigações, produtividade medida por um sistema de avaliação extremamente efetivo, para todos, inclusive os gestores. Independente do que possa a vir acontecer, o SUS deve ter foco na resolutividade, em seguir protocolos, de saber de antemão o que deve ser feito e o que pode ser feito, fazer mais com menos, de modo que o paciente seja sempre o alvo de toda atenção. Essas medidas sugeridas formam uma contribuição para as mudanças que a Covid_19 precipitou. O debate e a implementação do venha ser consolidado são necessários o quanto antes.
José Ivan Aguiar
Médico Professor Associado , Doutor da UFMS